quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O Homem da Cabeça de Papelão - João do Rio





 No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.


O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!

Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.

Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.

Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.

Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.

— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.

— Mas não quero ser nada disso.

— Então quer ser vagabundo?

— Quero trabalhar.

— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.

— Eu não acho.

— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.

Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!

Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:

— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...

O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:

— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.

— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?

Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.

No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.

Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.

— É doido, mas bom.

Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.

— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...

— É da tua má cabeça, meu filho.

— Qual?

— A tua cabeça não regula.

— Quem sabe?

Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.

— Só caso se o senhor tomar juízo.

— Mas que chama você juízo?

— Ser como os mais.

— Então você gosta de mim?

— E por isso é que só caso depois.

Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.

Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.

— Traz algum relógio?

— Trago a minha cabeça.

— Ah! Desarranjada?

— Dizem-no, pelo menos.

— Em todo o caso, há tempo?

— Desde que nasci.

— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...

Antenor atalhou:

— E o senhor fica com a minha cabeça?

— Se a deixar.

— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...

— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.

— Regula?

— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.

Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.

Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.

Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.

— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!

Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.

— Há tempos deixei aqui uma cabeça.

— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.

— Ah! fez Antenor.

— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...

— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.

— Mas a minha cabeça?

— Vou buscá-la.

Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.

— Consertou-a?

— Não.

— Então, desarranjo grande?

O homem recuou.

— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.

Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.

— Faça o obséquio de embrulhá-la.

— Não a coloca?

— Não.

— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.

Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.

— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.

— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.

Antenor ficou seco.

— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.

E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.

domingo, 5 de abril de 2020

Receita Proibida - ARROZ




INGREDIENTES

2 xícaras (250 ml) de arroz
4 xícaras (250 ml) de água
2 dentes de alho
1/2 colher de sal
óleo


MODO DE PREPARO

Primeiro de tudo, quando for cozinhar qualquer coisa que seja, ponha todos os ingredientes em ordem. Isso poupa tempo de preparo e as chances de se esquecer algum ingrediente é mínima. Na culinária existe um termo francês para este processo, chama-se: "Mise En Place". Use para impressionar seus convidados.

Pegue uma panela e deixe no fogão. Coloque um pouco de óleo na panela, mas não muito para o arroz não ficar oleoso. Descasque os dentes de alho, rale e jogue na panela. Ponha o sal. Coloque as duas medidas de arroz na panela. Agora meça as quatro medidas de água e reserve numa vasilha, jarra ou o que for. Ligue o fogo alto. Use uma colher para mexer o arroz e os outros ingredientes. Vá refogando e fritando o arroz com o alho e o sal. Depois de uns três minutos jogue a água toda de uma vez na panela. ATENÇÃO! Nessa parte tome cuidado, pois a água quando entrar na panela quente vai começar a ferver e ir pra todo lado, cuidado para não se queimar. Mas também não é tudo isso não, é tranquilo. Mexa o arroz com a colher pra soltar qualquer possibilidade que tenha ficado no fundo da panela. Deixe a panela destampada. Quando a água não estiver mais na superfície, abaixe o fogo para o mínimo possível e deixe assim até secar completamente. Não se afaste do preparo, qualquer descuido e o arroz queima! Verifique com a colher, afastando o arroz, se o fundo da panela está seco. Se tiver, pode desligar o fogo. O seu arroz está pronto.

PS: Variações podem ser feitas. Como por exemplo, acrescentar milho e ervilha na hora de refogar, ou cenoura ralada, brócolis, chuchu, louro, colorau... seja criativo! ou não.

PS 2: Ah! mas eu não tenho uma xícara de 250 ml, não seja por isso, use qualquer recipiente que você preferir. Mas lembre-se, o recipiente que você usar para medir o arroz, deve ser estritamente o mesmo para medir a água. Sempre nessa proporção, duas medidas de arroz e quatro de água.

Bem, não quero dizer aqui que a minha receita é a melhor ou a certa. Tenho certeza de que vários outros modos de preparo são possíveis e igualmente maravilhosos. Este é apenas o meu modo. São dicas de quem não sabia nem ferver água e aprendeu a fazer uma refeição decente. Pela emancipação de todos os seres humanos! Cozinhar é libertar-se!

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Os Beatles e Eu

Curtindo a vida adoidado. Nesse clássico da Sessão da Tarde, foi onde, ainda criança, tive meu primeiro contato com a música dos Beatles. Ainda que não soubesse que música era aquela e ainda não soubesse quem eram os Beatles, havia me tornado um fã. Twist and Shout me prendera para sempre.

Nos anos 2000, meu pai ganhou do meu primo o disco "1", uma coletânea onde estão reunidas todas as músicas dos Beatles que alcançaram o primeiro lugar das paradas. Fiquei maravilhado de como cabiam tantas músicas num único CD. Pluguei os fones no nosso antigo "4 em 1", coloquei o CD e dei o play. Nunca mais fui o mesmo. Naquele dia eu soube que amava os Beatles.

Músicas de dois minutos à músicas com mais de sete minutos. Canções com metais e sopro. Apenas voz e violão. Músicas experimentais. O início do "Doom Metal", do "Heavy Metal" e tantos mais. Letras simples. Letras sofisticadas. Uma verdadeira revolução meteórica no jeito de se fazer música. Sua história é sinônimo de inovação. Os Beatles são insuperáveis.
Reuni aqui algumas músicas que acho bem legais. Sim, mais uma lista com músicas dos Beatles na internet. Músicas que quase nunca figuram nas listas mais comuns. Músicas para fugir da mesmice de sempre, ou não.

Todos os vídeos que postei aqui são do canal oficial da banda no YouTube.

Vamos lá.


And I Love Her



Drive My Car



Norwegian Wood (This Bird Has Flown)



Nowhere Man



In My Life



Across The Universe



Dear Prudence



While My Guitar Gently Weeps



Blackbird



Rocky Raccoon



Helter Skelter



A Day in The Life



For No One



Stawberry Fields Forever



Maxwell's Silver Hammer



Oh! Darling



Octopus's Garden



I Want You (She's So Heavy)



Don't Let Me Down


domingo, 10 de abril de 2016

Alexander Supertramp: Na Natureza Selvagem


"Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: você deveria promover uma mudança radical em seu estilo de vida e fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.

Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito do homem que um futuro seguro.

A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências [..]

Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principalmente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo ou em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de vida não-convencional.

O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está simplesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é com você mesmo [..]

Espero que na próxima vez que eu o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça. Simplesmente saia e faça. Você ficará muito, muito contente por ter feito."

(Carta de Chris McCandless para Ron Franz, Abril de 1992)

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Zona Proibida Entrevista: Filipe Catto

Cantor, compositor e intérprete. Aos 28 anos de idade Filipe Catto é um fôlego à música brasileira. Recentemente lançou seu mais novo disco intitulado Tomada, sucesso total entre os fãs e a crítica. Do norte ao sul do país Filipe arrasta multidões e lota teatros, praças e ginásios. Com humildade, carinho e gentileza ele conquista mais e mais adoradores. Confira agora uma entrevista feita pelo Zona Proibida com ele, Filipe Catto.


Zona Proibida - Tomada, seu disco mais recente, estreou em quinto lugar no iTunes em menos de 24 horas. Suas apresentações são quase sempre de ingressos esgotados. Como é pra você, com uma carreira tão jovem, já ter esse reconhecimento e carinho do público?

Filipe Catto - Pra mim é tudo muito gratificante, especialmente pelo privilégio de trabalhar com o que eu amo. Me sinto uma pessoa bem sucedida, realizada, porque fazer música em qualquer lugar do mundo é muito desafiador. Poder viver a música no meu dia a dia profissionalmente é uma dádiva, luxo.

ZP - Uma das coisas que me chamam a atenção no seu trabalho são as releituras que você faz. Como por exemplo "Garçom" de Reginaldo Rossi, "20 e poucos anos" de Fábio Jr., "Quem é?" da Simone. Em algum momento você pretende lançar um disco apenas de releituras?

FC - Não exclusivamente, porque eu acho que estas músicas existem dentro de um contexto, elas precisam estar dentro de um espetáculo, de um disco para que elas tenham contrapontos e tenham seu brilho realçado, Quando faço o repertório de um projeto, gosto de misturar gêneros, ideias, canções, e isso faz com que elas se valorizem. O público tem todo direito de compilar essas gravações como bem entender, mas da minha parte prefiro sempre que o conceito artístico do repertório seja evidenciado.

Emanuelle Araújo, Filipe e Arnaldo Antunes

ZP - É de conhecimento geral que a Cássia Eller é uma de suas maiores influências artísticas e pessoais. Recentemente você participou ao lado de outros grandes artistas da homenagem realizada a ela no Rock in Rio. Como foi fazer parte desse momento?

FC - Foi um sonho realizado, até agora parece mentira. Foi lindo poder homenagear Cássia ao lado de pessoas tão bacanas.

ZP - "Roupa do Corpo", "Juro por Deus", "Crime Passional" e "Gardênia Branca" são algumas de suas composições que possuem o protagonismo feminino como abordagem. Gostaria que você falasse um pouco sobre a importância da música na luta por direitos iguais, empoderamento, discussões de classe e gênero.

FC - Eu acho que a música tem esse poder, e essas questões são nossas. Acho fundamental que a gente se apodere do discurso, mas acima de tudo eu quero falar em primeira pessoa das minhas questões. Acho bacana poder explorar como interprete todas essas nuances, e fazer o público refletir, se libertar, interagir com esses temas.

ZP - Em suas apresentações, qual é a canção que te conecta à alma do mundo e ao mesmo tempo te desconecta até de você mesmo? Qual é a canção que não pode faltar em seus shows?

FC - Depende muito do momento. As canções são seres independentes. Elas que governam a mim, não o contrário. Tem momentos em que uma canção ganha muito significado, e isso depende do que está acontecendo na sua vida. Mas definitivame adoração e saga são duas canções que sempre estão no show, porque são um elo de ligação poderoso com o público. Adoro essas, assim como Ave de prata, mergulho, roupa do corpo, dias e noites, partiu... Não consigo escolher (risos).

ZP - Com o advento das mídias sociais o abismo que existia entre artistas e fãs praticamente desapareceu. Hoje qualquer pessoa pode mandar uma mensagem pra seu artista favorito instantaneamente. Como você enxerga essa aproximação?

FC - Acho maravilhoso e natural, é para onde nossa cultura está indo, para essa pessoalidade em todos os setores. Eu tenho uma relação bacana com as redes, não sou adicto, mas sempre tento atualizar o que posso. Por outro lado, levo muito a sério o contato pessoal do show, de poder entregar tudo ali de verdade, olhar para as pessoas de verdade, e não só através das redes.

Tomada, novo disco de Filipe Catto
ZP - Suas parcerias com a cantora Yusa e a pianista Célia Rocha renderam grandes momentos. Suas apresentações em Portugal e Argentina foram fenômenos. Para o futuro, quais são os seus projetos?

FC - Quero ir para o mundo, cantar, conhecer gente, me entregar para as canções, entrar em contato com o novo. Pra mim a vida é essa mudança constante, essa busca de estar sempre dentro do presente, vivendo, fazendo conexões. O maior patrimônio que a gente tem são as nossas relações. De certa forma, minha vontade enquanto artista é poder ir mais fundo nessa relação com o público, não ficar apenas na superfície. Quero ir até o fundo do que posso, como diz a música Mergulho.

ZP - Quais músicas não podem faltar na sua playlist?

FC - Dreams, do Fleetwood Mac. Killing Moon, do Echo and the Bunnymen. Stones, Elis e PJ Harvey.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Coração Envenenado - Um Fragmento de Dee Dee Ramone


Nascido nos Estados Unidos e criado na Berlim pós-guerra, Douglas Calvin não nasceu para morrer lá, e sim,
para se tornar o pai do Punk.

Aos 14 anos de idade após viver o inferno na Alemanha com uma mãe alcoólica e um pai militar, Dee Dee muda-se para os Estados Unidos com a mãe e a irmã. Sem perspectiva de nada, cheirando cola e sem um lar de verdade, Dee Dee busca uma saída daquele mundo.
Aos 16 anos, apenas com o peito cheio raiva e sem nenhuma formação musical, eis que junto com outros três amigos tão fudidos como ele, criam o dedo-médio da música, o Punk Rock. Com músicas rápidas e letras cruas, power chords e atitude os Ramones mudaram a forma de se fazer música.

Dee Dee no Hotel Chelsea,
onde morou por um tempo.
Dee Dee sempre dizia que era um milagre ele ainda estar vivo. Levando em consideração que praticamente todos os seus amigos de farra haviam sido encontrados mortos depois de overdoses ou assassinados. Era só uma questão de tempo até a sua vez chegar.

Viciado em todo tipo de droga, desiludido com os companheiros de banda e com a vida, Dee Dee em 1980 abandona as gravações do disco End of Century. Dee Dee nunca soube quem gravou as linhas de baixo nesse disco. O produtor desse disco Phil Spector dizia que apenas Joey tinha algum talento. Em sua autobiografia, Johnny Ramone disse que ele e Marky Ramone também abandonaram as gravações desse disco logo após a saída de Dee Dee.

Em 1989, Dee Dee grava Brain Drain, seu último disco com os Ramones. A partir daí ele continuou de fora, apenas escrevendo canções para a banda. Segundo ele era uma forma de conseguir grana.
Após sair dos Ramones Dee Dee lançou um disco de Hip-Hop sob o nome de Dee Dee King. O disco não agradou o público e muito menos a crítica, que apenas o esperava colocar a cara na rua pra lhe detonar. The Crusher, uma das músicas desse disco, entrou no último disco dos Ramones.

Em 1992, Dee Dee foi preso por porte de maconha. Ele mesmo disse que achou legal a foto dele que saiu com a manchete no jornal. Estava com uma cara de louco, psicopata. Para sair da cadeia, vendeu os direitos autorais das músicas "Poison Heart", "Strength To Endure" e "Main Man" para poder pagar a fiança. As músicas foram vendidas aos empresários dos Ramones, que aproveitaram para gravá-las.

Bárbara e Dee Dee
Dee Dee viajou para o Brasil e na mesma época os Ramones também foram. Depois ele foi para a Argentina, terra de sua segunda esposa Bárbara Zampini, os Ramones também estiveram lá. Dee Dee disse ter ido falar com os ex-companheiros de banda no hotel onde eles se encontravam, Marky estava dando autógrafos na porta mas fingiu não ter visto Dee Dee e entrou. Marky alega que não é verdade.
Depois disso Dee Dee e a esposa foram morar um tempo na Europa, os Ramones apareceram por lá também. Estavam seguindo ele?

Em Abril de 2002, os Ramones entraram para o Salão da Fama do Rock n' Roll. Dee Dee pronunciou com as seguintes palavras: "Eu gostaria de me parabenizar, agradecer a mim mesmo e dar um tapinha nas minhas próprias costas. Obrigado Dee Dee, você é realmente maravilhoso, eu te amo." Dois meses e meio depois, Dee Dee foi encontrado morto atrás do sofá de sua casa em Hollywood, por volta das 21 horas, por sua esposa. Alega-se que foi causada por uma overdose acidental de heroína, companheiros de Dee Dee dizem que fazia oito anos que ele não usava heroína e seu corpo tinha se despreparado para recebê-la novamente.

Autor de sucessos como "Blitzkrieg Bop", "Pet Sematary", "Poison Heart", "53rd & 3rd", "The Crusher" e "Born to Die in Berlin". Dee Dee, o garoto desajustado, criou um lugar para todos os outros garotos desajustados estar. No Punk Rock ele encontrou o seu lugar de honra e tornou-se uma lenda.

Em 1997, depois da separação dos Ramones, com Veronica Kofman como colaboradora, Dee Dee lançou sua autobiografia: "Coração Envenenado - Minha Vida Com Os Ramones".


PDF - Coração Envenenado