domingo, 30 de novembro de 2014

O Homem Nu




Ao acordar, disse para a mulher:

- Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem

aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe
dinheiro da cidade, estou a nenhum.
- Explique isso ao homem - ponderou a mulher.
- Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir
rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica
quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.
Deixa ele bater até cansar - amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para
tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava,
resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para
apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para
um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho
deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo,
não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a
porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou

à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água
do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão.
Bateu com o nó dos dedos.
- Maria! Abre aí, Maria. Sou eu - chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o
ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço de escada entre os andares, esperou que
o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a
segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
- Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos,
regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo
uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet
grotesco e mal-ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde
se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir
a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encerando a subida de mais
um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o
embrulho do pão. Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele
começa a descer.

- Ah, isso é que não! - fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele
ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu,
desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu
apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se
naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
- Isso é que não - repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares,
obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea
ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão de seu
andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada:
"Emergência: parar." Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela
desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer
o elevador subir. O elevador subiu.

- Maria! Abre esta porta! - gritava, desta vez esmurrando a porta, já

sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si. Voltou-se,
acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com
o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
- Bom dia, minha senhora - disse ele, confuso. - Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
- Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
- Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
- É um tarado!
- Olha, que horror!
- Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era.
Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se
lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora,
bateram na porta.
- Deve ser a polícia - disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.


Fernando Sabino

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